Fronteira tecnológica
Fronteira tecnológica
Poucos países no mundo estão em condições de atender à demanda crescente de alimentos num planeta que terá 9 bilhões de habitantes, em 2030. “O Brasil pode aumentar a atual colheita de 193 milhões de toneladas de grãos para 350 milhões, em 2050, sem desmatar nem mais um hectare”, afirma Assad. “Basta intensificar a agricultura, integrar lavoura, pecuária e floresta e disseminar o plantio direto.” O país já desmatou cerca de 150.000 km2 de florestas, em parte cultivados e em parte degradados. Hoje, as fronteiras agrárias estão no Vale do Araguaia, em Mato Grosso, onde pastagens exauridas estão sendo substituídas por lavouras de soja e milho, e no chamado Bamatopi, a área de Cerrado da Bahia, Maranhão, Tocantins e Piauí, que já responde por 10% da soja e 15% do milho produzidos no país. Pelo menos 50 mil km2 de pastagens degradadas podem abrigar sistemas integrados de lavoura- pecuária-floresta com tecnologia de sustentabilidade. “A agricultura sustentável é o maior aliado do meio ambiente. Podemos produ- zir mais com sistemas agroflorestais e preservar o que resta da Amazônia e do Cerrado”, diz Assad. Para os especialistas, a diversifi cação e a integração da produção agrícola, pecuária e florestal numa mesma propriedade, em rotação ou em cultivo consorciado, são a fronteira do aumento da competitividade no campo. Nos últimos 20 anos, as safras têm crescido mais do que o espaço ocupado por culturas, melhorando a produtividade do setor. Em Mato so, a Embrapa Agrossilvipastoril está calculando as emissões de GEEs dos vários sistemas de integração possíveis – lavoura-pecuária, lavoura-floresta, floresta- pecuária e lavoura-pecuária-floresta – para quantificar a cobrança de créditos de carbono. “Só na Amazônia já temos 19 sistemas agroflorestais formatados com rotação de grãos, pastagens e plantio de árvores definidos”, diz Assad. “O que nos falta é transferir tecnologia para o produtor e para a agricultura familiar, para além da classe média rural e das grandes empresas.” Para tanto, o governo lançou, em 2010, o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que oferece subsídio e financiamento a juros baixos (4,5% ao ano), no Banco do Brasil e no BNDES, para recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura- pecuária-floresta, reflorestamento e redução das emissões de carbono. Vinte mil contratos já foram assinados. A meta é chegar a 70 mil. Em maio, foi regulamentado o funcionamento da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) – a sucessora da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), extinta pelo governo Collor, em 1990, com a demissão – e o desperdício – de 1.500 extensionistas rurais. A missão da Anater é alavancar a assistência técnica rural e coordenar o Plano ABC. Mas a agência ainda está longe de funcionar, embora já tenha uma sede construída, em Jaguariúna (SP). Nem a diretoria foi nomeada. Vanguarda ambiental Ninguém duvida que a agricultura de baixo carbono possa aumentar a vantagem competitiva do agronegócio tropical. Enquanto a Europa considera novidade o plantio direto (o sistema de manejo do solo que mantém os resíduos vegetais na superfície, garantindo fertilidade e proteção contra erosão), no Brasil ele já é a norma. Em junho, a revista americana Proceedings of the National Acadea m b i e n t e my of Sciences publicou um estudo afirmando que ao diminuir a aragem de terra (tornando- a mais clara e capaz de refletir a luz do sol), o sistema retém o carbono no solo e diminui a temperatura local em até 2ºC. “Eles estão muito atrasados”, observa Assad. “No Brasil, mais de 50% das propriedades já praticam formas de plantio direto para preservar o solo e controlar pragas.” Em Chapadão do Céu, em Goiás, Carine Schneider, diretora do Grupo Wink, contou à PLANETA que sua empresa começou a fazer plantio direto em 1991 e logo avançou para a integração lavoura-pecuária. “Acoplamos uma caixa nas plantadeiras John Deere para, no momento em que plantamos milho, na entrelinha de uma carreira para outra, liberar semente de capim e plantar pastagem. Antigamente, as sementes eram lançadas ao solo de avião, mas o nosso sistema é muito mais eficiente.” A Wink está interessada no GHG Protocol Agropecuário, mas teme pela sua operacionalidade. “Precisa ser algo claro, palpável e não burocrático. Precisamos aprender a inserir essa ferramenta em nossas atividades. Mas a renda dos créditos deve ficar mais na mão de quem trabalha para isso: o produtor," ressalta. A empresa inscreveu quatro projetos no Plano ABC. “Encaminhamos mais dois este ano. Com os recursos, melhoramos nossos pastos, ampliamos a área de integração lavoura-pecuária e corrigimos melhor o solo, aumentando a produção”, afirma Schneider. “Acho que podemos avançar no mercado mundial porque teremos mais produto para comercializar produzido de maneira ambientalmente correta e economicamente mais viável.” O grupo Bunge, que atua com mais de 16 mil fornecedores no Brasil, dispõe de certificações ambientais nas áreas de biodiesel e de soja, mas os parâmetros e as metas não refl etiam a realidade da sojicultura brasileira. “Agora temos diretrizes feitas no Brasil, que vão acelerar a gestão agrícola para adequação a nichos mais exigentes do mercado”, ressalta Rodrigo Spouri, especialista em sustentabilidade do grupo. André Nassar, diretor da consultoria Agroícone, acha que a ferramenta facilitará a produção rural. “A inovação não está no instrumento, mas na perspectiva de o setor começar a utilizar as emissões como fator de performance. É importante ter fornecedores de carne, cana-de-açúcar e soja com garantias de legalidade e conformidade ambiental. Quem emite menos deve ser premiado.” Rachel Biderman lembra que há disposição internacional para definir um novo acordo mundial com metas de redução de emissões na COP- 21, marcada para 2015, em Paris. “Daqui a dois ou três anos o Brasil pode aprovar leis de redução de emissões que afetem o agronegócio. O produtor rural que fizer antes a lição de casa sobre a sua pegada de carbono terá uma vantagem considerável.” A oportunidade está diante das empresas. Enquanto a Europa, apesar de possuir solos mais férteis, produz durante seis meses do ano, a agricultura tropical proporciona três colheitas e “safrinhas” durante o ano inteiro. Com a agricultura de baixo carbono, a vantagem tecnológica será intensificada. Num primeiro momento, o termômetro de GEE do campo poderá ser útil para 1 milhão de proprietários rurais médios e 500 mil grandes produtores. Mas se chegar à agricultura familiar o patamar cresce. Há 5,6 milhões de propriedades rurais no país.(Fonte: Terra)